Queridos leitores,
Este maravilhoso conto de Luis Fernando Verissimo me fez refletir sobre “pesquisas”.
“Pesquisas” são utilizadas como argumentos, inquestionáveis, de qualquer teoria: “de acordo com pesquisas isso funciona assim!”.
Pronto tá resolvido! Isso funciona assim e não se fala mais nisso.
Geeeente!
Que pesquisa? Quem fez a pesquisa? Alguém aí já respondeu “pesquisas”?
E você acha que as pessoas falam verdade em pesquisas…
Então já entendeu, né? Esse papo de pesquisa é uma furada!
#ficaadica
Agora o conto:
”Destino: Calais
Disse o homem:
– Perdoem, por favor, mas eu sou um escritor, e como tal fascinado pelas pessoas e seus destinos. Notei que cada um de nós, neste compartimento, tem um tipo físico, uma idade e um semblante diferentes dos demais, e está claro que nenhum de nós conhece o outro. Mas me pergunto se a única coisa que temos em comum é estarmos no mesmo trem, indo para o mesmo lugar. Seria interessante, de um ponto de vista literário, ou apenas para passar o tempo, tentar descobrir alguma outra coisa que nos una. Ou importuno?
– Não, não – disse a mocinha, – Eu estava pensando a mesma coisa. Seis pessoas, seis vidas, seis destinos. O que teremos em comum? O senhor diz que é escritor…
= Nabokov. Nasci na Rússia, mas fui obrigado a me exilar. Suponho que ninguém mais aqui seja escritor. Ou, que Deus nos proteja, russo. Sabem o que dizem: dois russos são sempre dois a mais do que o necessário.
– Eu sou eurasiana. Estou viajando para esquecer um grande amor. Mas prefiro não falar em Robert, Profissão, acrobata.
– Esse Robert era suíço? Um dos meus colegas nas pesquisas sobre isótopos e lipídios em Montreaux se chamava Robert.
– Não senhora. Era domador. Americano. Está morto.
– A senhora, então, é pesquisadora…
– Sim. Belga. Não adiantaria dizer meu nome. Ninguém guarda o nome dos ganhadores do Nobel de Física.
– Uma acrobata e um prêmio Nobel! Que interessante. Eu nunca ganhei o Nobel. Sabem como é a política na Academia sueca. E o senhor?
– Sou grego e não faço nada. Milionário. Vivo para o prazer e a aventura. Aliás, senhorita, não faz muito pulei na arena para evitar que um leão arrancasse a cabeça de um desafortunado domador. Tarde demais, infelizmente. Não seria…
– Não. Foi um tigre.
– Ah, bom.
– E o senhor, padre? – perguntou o escritor.
– Sou um mero assessor do Papa. Certamente o mais humilde. Só dou minha opinião quando sua eminência a pede, depois de ouvir todos outros. Frugatti. Natural de Arezzo.
– Bem, até agora, nada em comum. Talvez o senhor, cavalheiro, seja o elo que falta em nossas vidas.
– Acho difícil. Qualquer um dos senhores já teria me reconhecido, se frequentasse os mesmos círculos. Eu sou Delmas. O nome lhes diz alguma coisa? Eu sabia que não. Fui eu que contatei o espírito de Coco Chanel para esclarecer alguns pontos do seu testamento. Mas, claro, isso não foi divulgado, fora da família. Só eu falo com Goethe. Nacionalidade húngara. Não tenho nada em comum com ninguém.
– É espantoso. Seis nacionalidades diferentes, seis profissões…
– Bem, temos dois artistas. Um escritor e uma acrobata…
– Duas profissões de risco, é verdade. Mas são completamente diferentes. Um escritor não usa rede.
– Quer dezer, então…
– Que não temos nada em comum, salvo o destino deste trem.
Bem, na verdade tinham. Por casualidade, estavam reunidos no mesmo compartimento de trem seis grandes mentirosos, mas isto nenhum ficou sabendo.“
Te espero nos comentários e nas redes sociais para continuarmos essa conversa.
Com afeto,
Elisabeth Rosa